“Ninguém gosta de se sentir só, todxs querem se sentir a sós.” – Tim Maia.
Brixx Furtado, como é (re)conhecida pelas ruas, é a grafiteira que transita pelas artes visuais, ilustrações, modelagens para costura e produção de acessórios, ultrapassando o perímetro do DF, com exposições por São Paulo e além fronteiras. Foi no espaço urbano que começou a se expressar. A quase balzaquiana tem uma personalidade forte que é sentida nos traços de suas obras contrastando com sua timidez e introversão. De forma autoditada e se aventurando, desde pequena, em pesquisas autônomas, desenvolveu o desejo pelo mundo das artes plásticas.
Sua experiência com as artes surge de forma espontânea, sobrepondo a técnica. Em seu universo particular, sem inferência, a comunicação verbal deu espaço para uma comunicação sensível e visual. Assim, desabrocha e é apresentada para a sua profissão, na coragem de sair da sua zona de conforto e explorar de dentro pra fora: retira as telas do guarda-roupa, rompe com a vergonha para mudar sua vida e mostrar para as outras pessoas o que palavras não deram conta, relatar a sua história. Para celebrar o começo de uma transformação, superar a fobia e realizar interação social, nasce Brixx, a grafiteira.
Para as mulheres, o espaço da rua é desafiador. Há sempre um aviso de que não é lugar de pertencimento, especialmente quando as luzes ficam mais escassas. Resistir e enfrentar muitas vezes não são opção, sim necessidade. Não é diferente para as artistas de rua que querem mostrar e ter seus trabalhos reconhecidos. Quando falamos do espaço do grafiti, é comum observar a predominância de nomes masculinos. Quando a artista foi ganhando espaço, sua assinatura sem gênero determinado provocou um desconcerto e por muito tempo foi marcada com artigo masculino, o Brixx. Aos poucos, alinhados gênero e artista, marcava que espaço de mulher é onde ela quiser. E a rua é um espaço de muito conforto para Brixx.
Em “Solitude”, primeira exposição individual da artista, Brixx nos convida a conhecer seu processo de desenvolvimento enquanto artista por meio dos trabalhos escolhidos criteriosamente para a exposição; a descortinar seu lado instigante, íntimo, sutil, e seus entre-trânsito de cidades e países, composições de texturas e cores, materializados em formas geométricas a profundidade de ser e existir. Descrever o trabalho da artista é laborioso no sentido de ter cuidado para não delimitar ou reduzir com contornos, assim como a proposta de sua obra, na qual com cores, mais que com traços, é que se apresentam fronteiras de transposição e composição de sua identidade artística.
A escolha de “Solitude” ao invés de “Solidão” é tão proposital como cada traço impresso nos trabalhos da artista. Trazer o conceito de solitude é apresentar seu processo de ensimesmar. Tempo de viver para si, na intensidade de momentos para reflexão. A importância de ir pra dentro, de estar consigo harmonicamente para explorar o que quer mostrar, expor, marcar. Entender sua relação com a arte, aprimoramento. Isolamento para se autoconhecer. Seus personagens, quase a maioria, usam máscaras. Artifício pela busca da neutralidade para convivência harmonicamente em sociedade. Usar máscaras para se resguardar, proteção de julgamentos e performar o esperado, assim como retratar monstros para apresentar para o mundo seu interior em resposta ao esperado do seu exterior, o pré-julgamento. A performance do monstro, como um ser lido como repulsivo, em contraponto a uma cartela de cores atraentes, agrada os olhos de quem vê.
Podemos acompanhar, também, a evolução do trabalho da artista de acordo com os convites de demandas externas, como se notam em algumas peças solicitadas por clientes. Desenhos encomendados para dialogar com os espaços desconhecidos: mais uma vez, rever sua zona de conforto. Planejar o desenho e se permitir em novas explorações. Um resultado bastante expressivo foi a representação tridimensional de um retrato da icônica Frida Kahlo, que será apresentada como escultura: a criação surgiu de um encontro de demanda e ativismo feminista, na parceria com a Casa Frida, casa feminista de São Sebastião.
A exposição “Solitude”, acontecerá num ambiente aconchegante, a Galeria Bras.ilha, que além de galeria abriga um estúdio de tatuagem e uma hamburgueria, da parceira profissional de Brixx, Rafaella Morais. Brixx também é produtora e curadora, organizou diversas exposições com artistas locais e fora da cena mainstream, recuperando o movimento das suas andanças no sentido do “faça-você-mesma”, faça acontecer. E nesse momento de mudanças e de querer seguir e explorar novos caminhos, encerra nessa exposição um ciclo, retomando e redesenhando suas técnicas aprendidas e trabalhadas: ilustração digital, bordado, telas com recortes de papel e tecido, pintura a óleo, pintura acrílica, aquarela, spray e escultura com técnica mista.
“Solitude” é um resgate identitário, um emaranhado de encontros e desencontros nas caminhadas de se descobrir e se refazer como artista, onde a Fabrícia se encontra com a Brixx para socializar com o público o que foi feito até agora, nesse fechamento de ciclo. Nada mais significativo do que a abertura da sua primeira exposição individual se dar em seu dia natal, 4 de agosto: 30 obras de 30 anos.
Texto: Lélia de Castro